domingo, 10 de agosto de 2008

Quad

Em jeito de resposta às minhas conversas beckettianas nocturnas com a Joana fica aqui um dos trabalhos mais invulgares e desconhecidos de Samuel Beckett, feito de propósito para a televisão. O vídeo é muito curtinho e está incompleto mas acreditem que ler o guião é mais estranho que assistir ao vídeo.
Sempre que vejo isto penso que é um bom exercício dramático para actores (pode não parecer mas é de difícil execução porque exige uma concentração perfeita) e também que o Beckett devia andar a tomar uma droga muito estranha (provavelmente oriunda da Argentina). Ele leva o conceito de peça para televisão para o campo da experiência sensorial simples. E ficamos com a sensação de que há algo muito complexo que nos escapa por trás.
Cada personagem tem a sua cor e o seu som. O resto, percebam vocês.

2 comentários:

PUF! magazine disse...

Já tinha tido a oportunidade de conhecer este trabalho de Samuel Beckett quando se fez este ano lectivo uma visita de estudo a Lisboa em que fomos ver a exposição ‘Centro Pompidou: Novos Media, 1965 – 2003’ patente no Museu do Chiado na altura.
De facto, é um trabalho pouco usual e interessante ao mesmo tempo, de um experimentalismo minimalista e com uma sequência de movimentos bastante rígida e timings de uma grande precisão e que apesar de não parecer exige muito dos actores, como tu mesma disseste, a nível da concentração sobretudo. Acho curioso o facto de todas as vezes em que os performers se dirigem ou caminham para o cento, eles nunca o atravessem por completo, contornando e evitando sempre o ponto que vemos no centro do palco/quadrado. É um trabalho exaustivo, na medida em que os performers podiam estar sempre e em contínuo a fazer estas sequências.
Há quem apelide este trabalho ‘Quad’ (estreado pela primeira vez em 1981) de ‘ballet para quatro pessoas’, eu pessoalmente ao ver este trabalho não consigo deixar de pensar e fazer uma espécie de ligação e paralelismos a um dos trabalhos de Oskar Schlemmer – ‘Dança do Espaço’ (‘Raumtanz’, de 1926), se bem que existem claras diferenças, em que três dançarinos/performers vestidos cada um numa das três cores primárias andam a três ritmos/velocidades diferentes (acompanhados também cada um por um som distinto) por uma grelha branca desenhada no chão a delinear um quadrado percorrido por linhas rectas e diagonais. Nesta dança de Schlemmer existem momentos que nos faz ficar na expectativa que irá haver uma colisão entre os dançarinos, mas devido às diferentes velocidades em que se movem tal não acontece, aliás os mesmos durante toda a dança nunca chegam a ter qualquer tipo de contacto uns com os outros tal como acontece nesta peça televisiva de Beckett.
Por outro lado, eu nem sequer me atrevo em entrar em simbolismos ou leituras e possíveis sentidos desta obra de Beckett (se é que os hajam). Também não sei se Beckett tomava algum tipo de drogas, mas se tomava, queria saber quais são, pois acho que também quero passar a tomá-las. Quem não gostaria de ter o talento e inventividade, a genialidade e criatividade que ele possuía. Ele é muito bom (aliás era), simplesmente adoro as obras e o trabalho de Samuel Beckett.

Well played, my friend!

Bjs.

STigre disse...

Que fique bem claro que o Beckett não tomava drogas nenhumas (era só uma expressão) e não explicava absolutamente nada sobre as suas peças. Mas isso não significa que não seja possível ver simbolismos na sua obra. Fica ao critério de cada um procurar ou não encontrar essa explicação.

Quanto ao "ballet para quatro pessoas" é uma expressão que compreendo perfeitamente mas que me incomoda bastante.
Muitas peças do Beckett são "coreografadas" até ao mínimo gesto, ou não fosse ele famoso pelo seu perfeccionismo e desejo de controlo absoluto. Mas uma preocupação tão grande com ritmo e movimento não tem, nem deve, de estar restrita à dança.
De qualquer das formas, eu compreendo tão bem a expressão que até apresentei a peça "Come and Go" com sapatos de ballet (e a ideia foi minha!). Mas incomoda-me porque nesse caso podemos discutir se metade da obra do Beckett não é dança em vez de drama e porque deixa subjacente o preconceito de que alguns aspectos, que devem ser fundamentais no teatro, na realidade fazem parte do domínio da dança clássica.
Não sei... Percebo mas incomoda-me.